Meu recomeço: eu não quero mais falar sobre violência

 

 Perdi as contas de quantas vezes recomecei nessa blogosfera. Produzo conteúdo há 12 anos e sempre me pego recomeçando. Eu sinto que preciso recomeçar quando aquilo já não me cabe mais, por qualquer motivo que seja. E aqui estou eu, recomeçando mais um blog. Quem me acompanha deve lembrar do Papo Afro, o blog que mantive por alguns anos e que, aos poucos, foi ficando parado. Desativei esse projeto, pois não tenho mais tempo para me dedicar à ele como deveria, e também porque quero falar sobre outras coisas, de novas perspectivas e, principalmente, ser a protagonista das histórias que eu escrevo.

O ano de 2022 foi muito difícil para mim no quesito produção de conteúdo. Me senti à deriva no mar gigante que é a internet, porque queria abordar coisas diferentes do que o meu público estava acostumado e nesse processo acabei me sentindo confusa, desanimada e desmotivada. Faz parte da transição. Eu nunca expliquei de forma clara quais eram essas mudanças e que transição era essa, ela só foi acontecendo. Mas sinto que preciso dar essa explicação ao meu público para que eu possa avançar para a próxima fase com mais tranquilidade e me abrir de verdade para o que eu quero fazer.

Bom, há muitos anos eu produzo conteúdo sobre raça. Na verdade eu comecei a ser criadora de conteúdo falando sobre cultura pop e geek, sobre livros, sobre esse mundinho de coisas que eu gostava. Contudo, em 2015 eu comecei a viver o meu processo de autoconhecimento enquanto mulher negra e meu conteúdo foi naturalmente mudando. Eu fiz minha transição capilar, fui entendendo o que significa ser mulher negra no Brasil, fui enxergando de forma mais nítida as violências que até então estavam “escondidas”, porque eu nunca soube como nomeá-las. Não sei quando eu ouvi a palavra “racismo” pela primeira vez, mas nunca havia refletido sobre ela. Em 2015 tudo fez sentido para mim, eu fui aprendendo a nomear as violências que eu sofri ao longo da minha vida, e naturalmente fui compartilhando essas descobertas no meu perfil do Facebook. Ali era o início de uma comunidade que eu nunca imaginei que se tornaria grande.

No ano seguinte eu criei meu perfil no Instagram e os seguidores do Facebook migraram para lá. Continuei abordando as questões que eu abordava e trazia novos assuntos à medida que eu ia aprendendo sobre eles. Sempre foi sobre compartilhar esses aprendizados e as reflexões que eu tinha sobre raça. Li muitos livros sobre o tema, entendi ainda mais sobre mim, produzi ainda mais sobre nós. A cada mensagem de uma pessoa negra que eu recebia falando sobre algum texto meu ter mudado a percepção dela sobre determinado assunto ou vivência, mais admirada eu ficava com o poder da internet.

Consegui construir uma pequena comunidade no Instagram, até que em 2020 essa comunidade se expandiu exponencialmente. Eu saí de 4 mil seguidores para 30 mil em apenas 4 meses. Continuei falando sobre as coisas que eu já falava, mas naquele momento haviam mais pessoas lendo, dialogando, trocando… E consequentemente começaram a aparecer haters com discursos de ódio muito pesados direcionados à mim. Eu segui fazendo o que eu estava fazendo, assumi uma postura cada vez mais combativa em relação ao racismo, participei de projetos, ações e coloquei, de verdade, minha cara à tapas e meu corpo na frente dos trilhos.

O ano de 2021 foi muito pesado pra mim. Senti meu psicológico definhando por causa dos hates que eu sofria na internet por causa dos meus conteúdos. Tem gente que consegue passar por isso sem se abalar tanto? Talvez. Mas pra mim foi extremamente adoecedor. Eram mensagens de ódio todos os dias com xingamentos, ameaças, desejos de que eu sofresse violência ou morresse. Quem fica bem lendo tudo isso? Muitas dessas mensagens eu expus, mas muitas eu não tornei públicas porque não queria dar mais visibilidade ao ódio. E era tudo por causa do conteúdo que eu produzia. Eu falava mesmo, sem filtro, eu nomeava as violências, apontava os problemas da sociedade e abria a boca pra falar sobre temas que ninguém queria ouvir. E com o país passando por um momento político tão difícil, fui um dos alvos. Adoeci.

Foi aí que decidi que em 2022 eu não queria mais falar sobre violência, dor, morte. Eu não queria ligar a câmera para falar coisas tristes e não queria escrever palavras de dor. E não só porque o ódio que eu recebia era desproporcional, mas também porque minha vida estava girando em torno desse tema. O racismo não me define e eu não queria ser lembrada apenas pela violência que eu sofro. Por isso, meu conteúdo foi mudando cada vez mais, porque fui buscando refúgio nas coisas leves que eu encontrava pelo caminho. Foi quando voltei a ler livros com histórias bobas, romances clichês e fantasias que falavam de novos mundos, onde o racismo sequer existia. A literatura foi me curando aos poucos e eu tomei a decisão de não falar mais sobre nós, pessoas negras, da perspectiva do racismo.

Meu conteúdo mudou muito esse ano e senti que tomei a decisão certa. Óbvio que os posts não viralizavam mais e eu fui perdendo cada vez mais seguidores, as marcas foram sumindo. Enfim, entendi que para muitos eu era só a menina negra que fazia post sobre antirracismo para as pessoas compartilharem e pagarem de ‘cool’. Nunca foi isso que eu quis. Pode parecer ingenuidade para alguns, mas eu realmente achei que estava causando transformação social. E acho que em pequena escala eu consegui contribuir. Porém, atualmente eu quero contribuir com a comunidade negra de outras formas: evidenciando o quanto nós existimos para além do racismo ou qualquer violência que nos marque na sociedade; estimulando jovens negros a se reconhecerem e se amarem; lembrando a outras meninas pretas que elas podem sonhar e realizar. Acho que essa é a contribuição que eu tenho a fazer hoje na internet, ser uma jovem negra compartilhando sonhos e leveza.

Por isso, pela primeira vez em 12 anos de internet eu criei um blog com o meu nome. Desta vez eu quero ser a protagonista das histórias que eu conto, e não mais o racismo. Quero que meus seguidores cliquem em um conteúdo produzido por mim e saibam que dali só vai sair coisas leves e positivas. Isso não significa que fecharei os olhos para as mazelas da sociedade, significa que eu quero contar outras histórias.

Sei que a transição é difícil, muita gente vai embora e muita gente nova chega. Mas a internet é assim, cíclica. E se eu tiver apenas 10 seguidores, irei falar com esses 10 da mesma forma que eu falo hoje com 30 mil, porque os números não me importam e sim a comunidade que eu construí e que me acompanha, me humaniza e torce por mim.

Esse é o meu recomeço, é minha meta para 2023. Quero construir hábitos saudáveis e isso começa por cuidar de mim e da minha mente. E quem quiser estar comigo falando sobre livros, autoestima, cultura pop, viagens, ou até sobre o vento… vai estar! Hoje eu entendo que sou uma mulher plural e posso falar sobre o que eu quiser. Falar sobre cultura pop ou livros não vai deixar de ser um conteúdo racializado, porque eu ainda sou uma mulher falando e tudo o que eu vier a falar será pelo ponto de vista negro e feminino. Isso é criar narrativas. E eu tô aqui pra isso.

Obrigada a todos os meus seguidores que continuaram comigo nessa transição e que me apoiam diariamente. Quando me sinto humanizada, eu crio melhor. E quero estar sempre bem para continuar falando sobre as coisas que eu gosto e apresentando-as para vocês.


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