RESENHA | Intolerância Religiosa, de Sidnei Nogueira

 

Escrito pelo babalorixá e Doutor em Semiótica e Linguística Geral Sidnei Nogueira, “Intolerância Religiosa” (2020) integra a Coleção Feminismos Plurais, coordenada pela filósofa e feminista Djamila Ribeiro. No título, Sidnei traz um panorama histórico da intolerância religiosa no Brasil e passa pela história da humanidade, falando sobre a dominação religiosa. Além disso, o autor explica a intolerância religiosa e até questiona o termo, quando usado para definir a discriminação sofrida por praticantes de religiões de matriz africana, trazendo com isso o conceito de racismo religioso.

Neste livro, a escrita de Sidnei Nogueira é didática, acessível, ancestral, afetiva e descolonizada. Para mim foi impossível não devorar esse livro e aprender muito com o que li. Ao mesmo tempo em que aponta o racismo religioso no Brasil e ensina ao leitor sobre o significado – ou como funcionam – algumas práticas das comunidades tradicionais de terreiro – como a sacralização animal –, o autor nos mostra quanto axé a ancestralidade negra tem. São páginas poderosas.

Logo no início da leitura já me surpreendi com o caminho que o autor segue para falar do proselitismo religioso e da fusão entre a fé (cristã-evangélica), política e Estado. É uma relação que eu já enxergava antes de ler o livro, mas a explicação dada pelo autor é tão didática que abre caminhos para várias outras reflexões. Ele ainda questiona: “quem tem se beneficiado do proselitismo eleitoral?”, afinal quando a fé e a política de unem, se torna um poder muito grande para ser administrado pelo homem, o que, com certeza, tem facilitado a conversão em massa.

Em seguida, Sidnei traz um panorama histórico da dominação católica, falando sobre a Inquisição e o quanto as maiores atrocidades da história ocorreram quando a igreja e o Estado se uniram. Segundo Soriano (2002), “o poder temporal ligado ao poder espiritual resulta em um poder muito grande para ser gerado pelos homens”. O autor também fala sobre a “colonialidade do poder”, que seria o silenciamento e apagamento de tudo o que for do outro ou ofereça perigo ao status quo. Com isso, chegamos ao apagamento e silenciamento das crenças originárias e crenças de origem africana, já que são crenças não-eurocêntricas e, portanto, não reforçam a cultura imposta pelos colonizadores.

Uma das coisas que mais gostei no livro foi o momento em que o autor questiona o termo “intolerância religiosa” quando aplicado aos praticantes de religiões de matriz africana e também do que significa, de fato, a “tolerância religiosa”. Sidnei Nogueira conta que a “tolerância” não seria muito diferente do mito da democracia racial, que é a ideia de que o brasileiro é cordial e vive bem com a diversidade. Ele ainda afirma que a tolerância nega esses mitos, pois se fôssemos todos iguais e convivêssemos bem com a diversidade, ninguém precisaria se tolerar.

Já o questionamento sobre o termo “intolerância religiosa” vem do fato de violências contra as religiões de matriz africana no Brasil ter como componente nuclear o racismo, pois o que a fé hegemônica demoniza é a tradição africana e afro-brasileira, é a cultura e a história negra. Algumas práticas dessas religiões, inclusive, são praticadas pela sociedade de um modo geral, mas por estarem sendo feitas por negros em comunidade são tratadas como práticas criminosas, como a sacralização animal. Além de explicar os saberes e sentidos ancestrais da sacralização animal nas comunidades tradicionais de terreiro, Sidnei Nogueira expõe a hipocrisia e racismo da sociedade brasileira em demonizar a prática, mesmo sendo um país onde parte considerável da população consome carne e ama churrasco.

O autor finaliza o livro de forma muito bonita, trazendo o que significa, de fato, ser parte de uma religião de matriz africana, o quanto é uma cultura totalmente contrária ao que a sociedade diz sobre ela. As comunidades tradicionais de terreiro são movidas pelo respeito, pela comunhão, pelo aquilombamento e também pelo afeto... Coisas que o conservadorismo jamais irá entender, pois é movido pelo controle, pela punição e encarceramento.

“Intolerância Religiosa” deveria ser leitura obrigatória para todo brasileiro. O livro explica detalhadamente algumas práticas, destrincha conceitos e relaciona com a realidade. O conteúdo não dá brecha para a ignorância. É uma obra importantíssima e que cumpre bem o papel de ser didática e introdutória, assim como propõe a Coleção Feminismos Plurais.

Trechos favoritos:

“Onde já se viu, na sociedade que vive da punição, da tortura e do encarceramento, se conceber a possibilidade de uma lógica exuística, na qual um erro possa vir a ser um acerto? No conservadorismo não há possibilidades (...). Tudo o que importa é estar certo, é controlar as possibilidades de ser no mundo, é evidenciar poder por meio de certezas únicas, mesmo que essas certezas seja a negação da vida do outro” (p. 120)

“A episteme preta do afrossentido não odeia a existência do outro ou do diferente. Muito pelo contrário, são estas diferentes e múltiplas existências que significam o valor da encruzilhada” (p. 129)


Título: Intolerância Religiosa

Autor(a): Sidnei Nogueira

Páginas: 160

Ano: 2020

Editora: Jandaíra

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